“É um fato digno de nota que a moralidade da sociedade, como um todo, está na razão inversa do seu tamanho; quanto maior for o agregado de indivíduos, tanto maior será a adição de fatores coletivos e a extinção dos fatores individuais. E a moralidade, que está baseada no sentido moral e no mérito do indivíduo também se debilita. Portanto, qualquer indivíduo é pior em sociedade do que quando atua por si só. Um grupo numeroso, ainda que composto de indivíduos decentes, equivale no tocante à moralidade e inteligência a um animal violento, estúpido e primitivo, e não a uma reunião de homens. Quanto maior for a organização, mais duvidosa será sua moralidade e mais cega sua estupidez. A sociedade, acentuando automaticamente as qualidades coletivas de seus indivíduos representativos, premia a mediocridade e tudo o que se dispõe a vegetar num caminho fácil e imoral. As personalidades individualizadas e diferenciadas são arrancadas pela raiz. Tal processo se inicia na escola, continua na universidade e predomina em todos os setores dirigidos pelo Estado.
Quando o corpo social é mais restrito, a individualidade de seus membros é mais protegida: sua liberdade será maior e, portanto, maior será a sua moralidade. Sem liberdade não pode haver moralidade. A admiração que sentimos pelas grandes organizações vacilará se nos inteirarmos do “outro lado” de tais maravilhas: o tremendo acúmulo e intensificação de tudo que é primitivo no homem, além da inconfessável destruição de sua individualidade, em proveito do monstro disfarçado que é toda grande organização... Na medida que o indivíduo for “adaptado” normalmente ao seu ambiente, nem mesmo a maior infâmia de seu grupo o perturbará, contando que a maioria dos companheiros esteja convencida da alta moralidade de sua organização social. Há também o caso dos neuróticos, que reagem, não porque a sociedade tenha se tornado monstruosa – isto geralmente os deixa indiferentes - , mas porque não suportam o mesmo conflito dentro de si mesmos. Por isso para chegar a uma solução de seu conflito, o neurótico deve, antes de tudo, reduzir suas opiniões coletivas.
... como a individuação é uma exigência psicológica imprescindível, a força superior do coletivo nos indica a atenção especialíssima que devemos prestar à delicada planta da “individualidade”, se quisermos evitar que seja totalmente sufocada pelo coletivo.
O homem possui uma faculdade muito valiosa para os propósitos coletivos, mas extremamente nociva para a individualização: sua tendência à imitação. A psicologia coletiva não pode prescindir da imitação, pois sem ela seriam simplesmente impossíveis as organizações de massa, o Estado e a ordem social. A base da ordem social não é a lei, mas a imitação, este último conceito abarcando também a sugestionabilidade, a sugestão e o contágio mental.
Podemos constatar diariamente como se usa e abusa do mecanismo da imitação, com o intuito de chegar-se a uma diferenciação pessoal: macaqueia-se alguma personalidade eminente, alguma característica ou atividade marcante, obtendo-se assim uma diferenciação externa, relativamente ao ambiente circundante...
Para descobrirmos o que é autenticamente individual em nós mesmos, torna-se necessária uma profunda reflexão; a primeira coisa a ser constatada é quão difícil se mostra a descoberta da própria individualidade.”
7/2 Dois escritos sobre Psicologia Analítica
O eu e o inconsciente
Dr .Carl Gustav Jung