domingo, 17 de julho de 2011

Crescendo com os mitos


Em sociedades tribais, antigas ou modernas, a criança é submetida aos mitos da tribo, semelhantes aos contos infantis. Durante toda sua vida ela participará de “sessões mitológicas” onde serão narradas aventuras e sagas que tocam fundo na alma, emoções profundas emergem, sensação de completude e razão da existência são experimentadas. Nesses contos são transmitidas verdades psicológicas através de narrativa fantástica.

Os mitos não são suficientes para integrar completamente o indivíduo ao grupo e mostrar sua nova posição dentro do mesmo. Para um efeito mais dramático são necessários  ritos – mitos transmitidos através da ação.
Um dos ritos de passagem mais importante acontece da infância para adolescência. No caso do menino, ele será submetido a um ritual que geralmente inclui maus tratos físicos significativos.  Nele o jovem será posicionado como servo da sociedade. A menina geralmente não passará por um mito encenado, pois seu corpo já realiza um rito de passagem com a chegada da menarca (1a. menstruação), posicionando-a  como serva da natureza.

Através dessas técnicas o psicológico, o espírito, vão sendo alimentados sistematicamente. É interessante lembrar que, em cada rito de passagem os familiares e amigos do ator principal estarão presentes, reafirmando, em seu íntimo, a função e o lugar de cada um dentro do grupo.

O surpreendente é: os mitos e ritos se repetem ao longo do tempo, em locais geográficos diversos e em sociedades totalmente distintas, onde a transmissão dos mesmos entre os diferentes povos seria improvável . Os símbolos apresentados são similares, não iguais. Similares no sentido mais profundo, mostrando assim, que os mitos não são inventados, eles surgem e são reconhecidos para serem utilizados como catalisadores do bem estar espiritual.

Em nossa mega sociedade, a criança na passagem para adolescência não recebe apoio para canalizar seus instintos e emoções emergentes. Quando as necessidades de completude, de pertencer a algum lugar, de ter uma função definida dentro do grupo são negadas, o jovem  irá em busca de uma  mitologia. Essa busca é uma tentativa de dar vazão às energias poderosas do imaterial.

Eleger um herói é lugar comum, porém altamente necessário nesse período.
O lugar será ocupado por uma estrela ou grupo de música, uma personagem de quadrinhos ou filme.
O grupo de apoio, que deveria ser formado pelos membros mais experientes da comunidade, será substituído por membros igualmente imaturos, unidos pela busca.

Em casos extremos, mas não incomuns, o jovem elegerá uma gangue como grupo, onde a mitologia será de violência, intolerância e desrespeito ao ideais humanos mais elevados. Seria uma vingança? Talvez. Ao jovem foi negado segurança psicológica e a definição de um lugar.

Cria-se uma tentativa de sociedade alternativa, pois a atual é incompetente para suprir as necessidades do indivíduo, que agora está  recebendo o chamamento interno para ter uma atitude ativa perante os seus iguais.


Por Cintia B. Silva

post relacionado: Manipulando a verdade 

4 comentários:

João F TErron disse...

Parabéns pelo texto, de novo. Acho que o último rito que restou ao homem é tirar a carteira de habilitação! rs

Artemisia quer falar disse...

É verdade João, eu não tinha pensado nisso. rs.

Ligia Caravieri disse...

Legal a associação que vc fez entre os ritos antigos e os atuais.
Explica uma série de comportamentos que observamos na contemporaneidade.
Sugiro que vc poste este texto no face, para ampliar o alcance.
Parabéns.

Artemisia quer falar disse...

Ligia, seu apoio é super importante. Principalmente por vc ser especialista em crianças e adolecentes. Brigadão.