terça-feira, 23 de agosto de 2011

Nosso Maior Desejo - Parte I



Existe um desejo no espírito humano. Um chamado à evolução da espécie. Esse desejo está expresso nas mitologias, nas religiões, na literatura, na arte, na cultura popular e na imagem que o homem faz de si mesmo. Ainda que essa auto-imagem seja falsa. Falsa não! É uma vitória que ainda não foi conquistada.

A saga do herói (vide a teoria do Monomito de Joseph Campbell. - vale a pena), está presente na história humana desde a primeira civilização, a Suméria - 4.000 ac, com a Epopéia de Gilgamesh - a obra mais antiga já catalogada. Com certeza essa saga derivou de narrativas muito mais antigas de povos primitivos, mostrando que a semente para a evolução foi plantada nos primórdios. Talvez a semente tenha surgido quando nos tornamos animais diferenciados. Ou nos tornamos diferenciados porque a semente já estava germinando?

A jornada do herói fala das etapas a serem vencidas para que o homem se torne um ser completo. União corpo-mente-espírito. Um supra-homem que possua poderes, entendimento e sabedoria que vão muito além do humano. Alguns vitoriosos na mitologia são Hércules e Rei Arthur. Nas religiões:  Buda, Cristo, Maomé, Padmasambhava. Na cultura popular ou mitologia contemporânea: Jake Sully (Avatar), Neo (Matrix) ou Luke Skywalker (Star Wars). Uma longa lista segue em todas as áreas que incluam o homem como tema central.

Um exemplo banal e causador de muita angustia, a busca pelo corpo perfeito. A estética física apresentada na mídia ou em expressões populares de arte, nos remetem a homens e mulheres com corpos não possíveis. Alguns dos nossos melhores exemplares, mesmo já estando acima da média, passam por maquiagem, o melhor ângulo, a luz ideal e no final pelo Photoshop. Na minha opinião, essa  busca pela estética ideal representa um desejo de ir além do possível no homem. 

Gostaria de salientar, que a realização do supra-homem exclusivamente no âmbito material é a característica principal da sociedade contemporânea. Esse extremo da realização do desejo é prejudicial. Como seria prejudicial a conquista do além-homem apenas através do imaterial. Para a evolução completa do ser é necessário haver o delicado balanço entre as polaridades.

Hoje, voamos nos céus, submergimos nos oceanos, criamos olhos mecânicos para sondar o espaço. Fazemos coisas irreais no passado e corriqueiras no presente. Fazemos através de máquinas. Máquinas que são extensões de nossos corpos. E faremos mais, através de sentidos e capacidades da nossa mente. Capacidades celebradas nos mitos e religiões, impossíveis no presente e possibilidade no futuro, pois o desejo existe.

Mas existe um grande empecilho para o final da jornada, ... a nossa auto-imagem. Caminhamos como se já não fossemos animais. Fornecemos desculpas racionais para motivações puramente instintivas.

Os instintos habitam um oceano, repleto de mistérios, que deveria ser navegado. Falo do inconsciente, que também pode ser representado por uma floresta profunda e desconhecida. O submundo do herói antigo. O espaço sideral do herói atual. Uma terra onde tudo pode acontecer. Essa terra é mental e não física.

Como a maioria de nós desconhece ou nega a existência do inconsciente (se nega é porque tem medo), essa terra desconhecida deixa de apresentar suas fadas, suas maravilhas. Talvez, a primeira vista, uma fada possa apresentar-se como o mais terrível monstro ou demônio, mas sob um segundo olhar...

Um mito salutar, Os doze trabalhos de Hércules. O primeiro trabalho é matar o leão de Neméia. Se fosse fracassado a jornada estaria perdida. Estando a tarefa cumprida o herói deverá usar a resistente pele do animal como uma armadura impenetrável e continuar a jornada.

Podemos incorporar os instintos ao consciente para decidir se devemos segui-los ou não, ao invés de sermos levados ou destruídos por eles. Domar o lado animal, integrando sua natureza à consciência, é o inicio. Se continuarmos a ignorá-lo, temê-lo, demonizá-lo, enfim mantê-lo afastado, estaremos deixando que ele domine. Ele age no silêncio e é nele que a força reside.

Por Cintia B. Silva

sábado, 13 de agosto de 2011

Velha Fórmula, Nova Embalagem - mitologia moderna

Um caso famoso de busca e reconhecimento da mitologia pela juventude (mitologia sadia ou para alguns, alienante), aconteceu na década de 70 através do filme “Stars Wars”. O diretor George Lucas era grande amigo do famoso mitólogo Joseph Campbell. Depois de estudar detalhadamente as teorias de Campbell e inúmeras conversas entre ambos, Lucas criou sua própria saga do herói. Herói que usamos como guia no nosso próprio caminho, pois segundo Campbell, existe um herói em cada um de nós.
Para a construção da saga, o diretor usou os símbolos presentes nas narrativas mitológicas que surgem em todo o globo e através dos tempos. Resultado final, desde sua estréia o filme é cultuado, entrando de maneira definitiva para a cultura popular.


Um caso recente e muito semelhante foi o filme Avatar. Repleto de simbolismo mitológico, fator que, em minha opinião, foi determinante para o grande sucesso, principalmente com o público jovem e também com o público adulto, que ainda não matou o herói dentro de si.
É claro que a tecnologia empregada foi incrível, mas o diálogo entre o simbolismo e nosso inconsciente foi a característica principal. Ao meu ver, a tecnologia 3D atrapalha o melhor entendimento da estória, pois ficamos focando nossa atenção nos objetos que saltam deliciosamente da tela. Crianças estendem as mãos na tentativa de captura. Confesso que também tentei.

A simbologia:
. Começa pelo titulo, Avatar - sânscrito Aval, “Aquele que descende de Deus”;

. Planeta Pandora - Na mitologia grega, “a que tudo dá” ou  “a que tudo possui”. Foi a primeira mulher criada por Zeus. Lugar desconhecido, para nós e para o herói. Na mitologia antiga o palco seria uma floresta, o submundo. Em locais desconhecidos e misteriosos todo tipo de magia e aventura podem acontecer. Nos dias de hoje, poucos são os lugares em nosso planeta que forneceriam tal palco. Mas ainda temos o cosmos, onde tudo é permitido.

. Herói - formação humilde e básica, com limitação física.  Nada de muito importante era esperado do rapaz, no conceito material da sociedade. E foi nessa sociedade que ele perdeu a mobilidade. Ele ficou incapaz de caminhar nas próprias pernas.

. Feminino - foi tratado com grande carinho e sutileza. Nome do planeta,“a que tudo dá”, “a que tudo possui”, a primeira mulher criada por Zeus. Não foi o chefe da tribo que aceitou o herói e sim a chefe espiritual da tribo. Quem introduziu o rapaz nos primeiros passos da cultura na’vi foi a fêmea alienígena,  como uma mãe que ensina os primeiros passos ao filho.
Uma fêmea humana cuidava do seu corpo humano, mesmo estando desconectado do avatar. Ela o alimentava, mostrava preocupação com sua higiene e ensinava o melhor comportamento perante os alienígenas. Mais uma vez a alusão à mãe. A cena em que mostra o mais temido predador em troca de carinhos e brincadeiras com seus filhotes. A militar que auxilia e deserta em nome do que é certo fazer. E é claro, a natureza como a grande mãe, a que gera, mantém a vida e acolhe a alma quando a vida transitória termina.

. Árvore mitológica - uma árvore poderosa, tanto em aparência como em força sobrenatural. Símbolo do eixo do mundo. Em suas raízes reside todo conhecimento e sabedoria existentes. Tão grande o seu poder que desejos podem ser solicitados e realizados.  Seus frutos ou sementes espalham poder e/ou conhecimento. Podemos estar descrevendo a Árvore da Almas do filme, ou então a Árvore Sagrada Yggdrasil da mitologia nórdica ou ainda, muitas outras presentes nos mitos da humanidade.
A Árvore da Vida bíblica, que também é exemplo,  encontra paralelos nas civilizações suméria, assíria, egípcia, persa (como a haoma) e chinesa. Encontrada também no Budismo – a árvore da iluminação e no Candomblé – a árvore-mundo.

. Domar ou submeter uma fera - No vôo onde o herói submete a fera e cria uma conexão, onde a fera sente o cavaleiro e o cavaleiro sente a fera - unicidade. Nessa cena esta implícito a necessidade do herói em domar seu lado animal, sublimando uma energia muito poderosa, energia essa que será utilizada para alcançar o objetivo final.
Fazer com que o “cavalo” siga as ordens do cavaleiro, como a metáfora descrita por Freud, onde o ego é um cavaleiro e o cavalo selvagem representa o id. Ou o primeiro trabalho de Hércules, não apenas matar o leão de Neméia mas usar a pele resistente do animal como armadura. Usar nossa força animal/instintiva para enfrentar os obstáculos e atingir a vitória. A vitória final de tornar-se supra-homem.

. A magia - quando tudo parece perdido, um milagre, uma mágica acontece. Os animais, antes um perigo mortal, transformam-se em aliados. Novamente o animal, o inconsciente, o instinto, o desconhecido vem em socorro.

. Aceitar o diferente - Quando a heroína pega nos braços o humano – pequeno, fraco, sem conseguir respirar, sem conseguir ficar em pé – ela não mostra surpresa nem repulsa ao ver pela primeira vez o seu amor na forma real. Uma forma que estando saudável já poderia causar desprezo à uma espécie de 3 metros de altura que prima por sua força e agilidade física. A mensagem que fica é: Não importa de onde você vem. Não importa qual a sua aparência. O que realmente importa é o que você é por dentro. O que importa é a verdade do seu espírito.
Uma mensagem importante para  jovens de uma sociedade que é bombardeada pela cultura da aparência: roupas legais, corpo de uma determinada maneira, muito dinheiro, estilo pegador e no espírito... o que é espírito mesmo?

 .No final, morte e ressurreição - morrer como homem e nascer como supra-homem – acima do homem, além do homem.

“Os mitos não devem ser julgados como falsos ou verdadeiros, mas como eficazes e ineficazes, salutares ou patogênicos.” (Joseph Campbell)

O inconsciente é menos alimentado nos dias atuais. Gostem ou não, é ele quem norteia muitas das nossas decisões. Damos desculpas racionais para atitudes que encontram sua real motivação nos instintos, nos estados psicológicos mal trabalhados ou ignorados.

Infeliz daquele que acredita que a verdade do ser está aprisionada entre as paredes frias do raciocínio lógico - científico vigente e / ou das teorias sócio - políticas - ideológicas. Pois a verdade é um elefante branco tocado por 3 homens cegos...
... o primeiro toca a fina cauda e diz que é uma corda..
... o segundo toca a grossa perna e diz que é um tronco...
… o terceiro toca a tromba e diz que é uma cobra.




Por Cintia B. Silva

Posts relacionados: Manipulando a verdade, Crescendo com os mitos.

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Proibiram o "pipi" do Michelangelo

 “Itália multa souvernires de mau gosto de Torre de Pisa ou David de Michelangelo”– “... As multas serão aplicadas aos vendedores ambulantes que oferecem mercadorias que ofendem as regras de urbanidade. Entre as recordações acusadas como ofensivas, figura um avental com a imagem do órgão sexual avantajado de David e uma série de roupas intimas adornadas com pinturas e afrescos eróticos de Pompéia.” – Veja 03/08/11

Parece engraçado ou ainda comilança de dinheiro. Uma forma da prefeitura de Pisa, na Toscana, ganhar um troco em cima dos ambulantes. Engraçado? Esse tipo de ato esconde uma modalidade muito usada pelos governos para encobrir sua incompetência.

O Estado deve fornecer educação, saúde, segurança e infra-estrutura. Fornecer tudo isso e com qualidade é muito trabalhoso. Muito dinheiro deve ser investido e a corrupção deve ser combatida. Isso gasta muita energia e o retorno não traz celebridade. E também tem a  mídia, que não gosta de noticiar  inauguração de hospitais, mais policiais nas ruas e transporte de qualidade. Ela quer respostas rápidas e emocionais do público. Nada melhor que um bom caso envolvendo a dor do mais fraco causada por um monstruoso cidadão. Se tiver sangue e membro amputado, melhor ainda.


Para o Estado nada melhor que levantar uma bandeira de ativismo, de um assunto qualquer, que tenha custo baixo. Vista nessa bandeira uma fantasia de “algo muito importante para a sobrevivência humana na face da Terra” e você terá uma manchete ao gosto da mídia iluminada e... pimba! O Estado preocupa-se com o cidadão.

Esse tipo de medida governamental pode ter um lado sinistro. Talvez algumas autoridades acreditem que o Estado deva legislar em todos os sentidos da vida do contribuinte. Somos estúpidos e incapazes de gerir nossas vidas é o que algumas medidas governamentais sugerem. Vamos criar leis para o vocabulário utilizado, para a criação dos nossos filhos, para nossos hábitos alimentares, enfim para tudo.

O Estado sabe o que é melhor para o cidadão. O vocabulário do politicamente correto, não noticiar alguns fatos ou ainda, alterar alguns detalhes dos fatos. Vamos dar ao povo realidade pasteurizada. Pão, circo e exigir trabalho, consumo controlado, pagamento de impostos e dar a ilusão de tudo estar sob controle. Você pensou em 1984 de George Orwell?

O Estado é importante. Importante também é que use os recursos arrecadados para áreas que são de sua real responsabilidade. Ao cidadão cumpridor de seus deveres, o direito de liberdade de expressão e o direito de liberdade de decisão devem ser respeitados. Temos direito a educação, saúde, segurança e infra-estrutura. Tudo isso com qualidade e gratuito. Gratuito não, pois pagamos impostos. E quem tem um pouco mais de recursos, paga duas vezes. Pagamos nos impostos e pagamos ensino particular, convênio médico e quando possível segurança particular. Ou estou errada e, em uma sociedade inclusiva com ações participativas num ambiente multiculturalista, o importante é... proibir o “pipi” do Michelangelo?

Por Cintia B. Silva

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Sinto sua falta

No caminho para o trabalho, muito tempo atrás, algo chamou minha atenção. Algo muito pequeno tomava água que corria pela sarjeta. Fiquei muito sensibilizada, pois varias feridas dividiam lugar com as manchas marrons na pelagem branca. Parei o carro e corajosamente tomei uma decisão. Liguei para meu marido, que estava em férias, pedindo que fosse resgatar o filhotinho de no máximo 3 meses. Na verdade o corajoso foi ele.

Voltando para casa descobri que os machucados foram provocados por uma sarna muito contagiosa. Descobri também que era uma fêmea. Demos a ela o nome de Scully, pois eu adorava a série “Arquivos X”. Ela viveu 1 mês dentro de uma gaiola para pássaros, no quartinho dos fundos. Tudo isso, para não contaminar os outros animais. Seguimos todas as recomendações da veterinária, que não cobrou sua mão-de-obra por se tratar de um resgate. Os jornais eram trocados 2 vezes ao dia, 3 vezes ao dia aplicávamos remédios e visitávamos o vet a cada 2 dias, para banhos e injeções. Mas eu devo admitir, eu transgredi... coloquei um ursinho de pelúcia para que a filhotinha tivesse algum tipo de aconchego. Quando eu abria a porta do quartinho, antes dela vir correndo para mim, presenciava os dois bem juntinhos.

Foram 15 anos de companhia e proteção ao nosso bando. Scully nos protegeu de perigos reais,  e de perigos que ela considerava reais. Matou 2 cobras-corais, alguns ratos do império do mal e outros audazes gambás (confesso que desses eu tinha pena). Pena também senti do periquito premiado da nossa vizinha. Desse sobrou apenas o bico. Devo mencionar seus latidos e rosnados diferenciados informando-nos que alguém estava próximo ao muro. Latidos muito diferentes daqueles dados para os macaquinhos que atravessavam o mesmo muro.

Foto: Salatino
Então, o inevitável veio. A grande viagem não pode ser adiada. Foi dormir e não mais acordou. Morte justa e honrada. Assim deveria ser a morte de todos os corajosos animais que nos dão tanto amor e lealdade, sem nunca pedir nada em troca. Animais que nos amam independente da nossa riqueza, beleza ou qualquer outra característica. Eles nos amam por nós mesmos.

Scully, obrigada pelo amor e companhia. Desculpe-me por algum erro... SINTO SUA FALTA... Descanse em paz... ops, já ia esquecendo... dá uma lambidona na Tendara por mim e um abração na tartaruga Gervásio, e nem pense em comê-lo novamente.

Por Cintia B. Silva

Ps. Meus agradecimentos ao Centro Cinófilo Salatino, pela competência e carinho dispensado à minha família animal. Agradeço também a Dr. Juliana, que com sua medicina proporciona conforto e dignidade aos animais na terceira idade.



Teve ou não, uma boa vida no final? - Foto: Salatino