Um caso famoso de busca e reconhecimento da mitologia pela juventude (mitologia sadia ou para alguns, alienante), aconteceu na década de 70 através do filme “Stars Wars”. O diretor George Lucas era grande amigo do famoso mitólogo Joseph Campbell. Depois de estudar detalhadamente as teorias de Campbell e inúmeras conversas entre ambos, Lucas criou sua própria saga do herói. Herói que usamos como guia no nosso próprio caminho, pois segundo Campbell, existe um herói em cada um de nós.
Para a construção da saga, o diretor usou os símbolos presentes nas narrativas mitológicas que surgem em todo o globo e através dos tempos. Resultado final, desde sua estréia o filme é cultuado, entrando de maneira definitiva para a cultura popular.
Um caso recente e muito semelhante foi o filme Avatar. Repleto de simbolismo mitológico, fator que, em minha opinião, foi determinante para o grande sucesso, principalmente com o público jovem e também com o público adulto, que ainda não matou o herói dentro de si.
É claro que a tecnologia empregada foi incrível, mas o diálogo entre o simbolismo e nosso inconsciente foi a característica principal. Ao meu ver, a tecnologia 3D atrapalha o melhor entendimento da estória, pois ficamos focando nossa atenção nos objetos que saltam deliciosamente da tela. Crianças estendem as mãos na tentativa de captura. Confesso que também tentei.
A simbologia:
. Começa pelo titulo, Avatar - sânscrito Aval, “Aquele que descende de Deus”;
. Planeta Pandora - Na mitologia grega, “a que tudo dá” ou “a que tudo possui”. Foi a primeira mulher criada por Zeus. Lugar desconhecido, para nós e para o herói. Na mitologia antiga o palco seria uma floresta, o submundo. Em locais desconhecidos e misteriosos todo tipo de magia e aventura podem acontecer. Nos dias de hoje, poucos são os lugares em nosso planeta que forneceriam tal palco. Mas ainda temos o cosmos, onde tudo é permitido.
. Herói - formação humilde e básica, com limitação física. Nada de muito importante era esperado do rapaz, no conceito material da sociedade. E foi nessa sociedade que ele perdeu a mobilidade. Ele ficou incapaz de caminhar nas próprias pernas.
. Feminino - foi tratado com grande carinho e sutileza. Nome do planeta,“a que tudo dá”, “a que tudo possui”, a primeira mulher criada por Zeus. Não foi o chefe da tribo que aceitou o herói e sim a chefe espiritual da tribo. Quem introduziu o rapaz nos primeiros passos da cultura na’vi foi a fêmea alienígena, como uma mãe que ensina os primeiros passos ao filho.
Uma fêmea humana cuidava do seu corpo humano, mesmo estando desconectado do avatar. Ela o alimentava, mostrava preocupação com sua higiene e ensinava o melhor comportamento perante os alienígenas. Mais uma vez a alusão à mãe. A cena em que mostra o mais temido predador em troca de carinhos e brincadeiras com seus filhotes. A militar que auxilia e deserta em nome do que é certo fazer. E é claro, a natureza como a grande mãe, a que gera, mantém a vida e acolhe a alma quando a vida transitória termina.
. Árvore mitológica - uma árvore poderosa, tanto em aparência como em força sobrenatural. Símbolo do eixo do mundo. Em suas raízes reside todo conhecimento e sabedoria existentes. Tão grande o seu poder que desejos podem ser solicitados e realizados. Seus frutos ou sementes espalham poder e/ou conhecimento. Podemos estar descrevendo a Árvore da Almas do filme, ou então a Árvore Sagrada Yggdrasil da mitologia nórdica ou ainda, muitas outras presentes nos mitos da humanidade.
A Árvore da Vida bíblica, que também é exemplo, encontra paralelos nas civilizações suméria, assíria, egípcia, persa (como a haoma) e chinesa. Encontrada também no Budismo – a árvore da iluminação e no Candomblé – a árvore-mundo.
. Domar ou submeter uma fera - No vôo onde o herói submete a fera e cria uma conexão, onde a fera sente o cavaleiro e o cavaleiro sente a fera - unicidade. Nessa cena esta implícito a necessidade do herói em domar seu lado animal, sublimando uma energia muito poderosa, energia essa que será utilizada para alcançar o objetivo final.
Fazer com que o “cavalo” siga as ordens do cavaleiro, como a metáfora descrita por Freud, onde o ego é um cavaleiro e o cavalo selvagem representa o id. Ou o primeiro trabalho de Hércules, não apenas matar o leão de Neméia mas usar a pele resistente do animal como armadura. Usar nossa força animal/instintiva para enfrentar os obstáculos e atingir a vitória. A vitória final de tornar-se supra-homem.
. A magia - quando tudo parece perdido, um milagre, uma mágica acontece. Os animais, antes um perigo mortal, transformam-se em aliados. Novamente o animal, o inconsciente, o instinto, o desconhecido vem em socorro.
. Aceitar o diferente - Quando a heroína pega nos braços o humano – pequeno, fraco, sem conseguir respirar, sem conseguir ficar em pé – ela não mostra surpresa nem repulsa ao ver pela primeira vez o seu amor na forma real. Uma forma que estando saudável já poderia causar desprezo à uma espécie de 3 metros de altura que prima por sua força e agilidade física. A mensagem que fica é: Não importa de onde você vem. Não importa qual a sua aparência. O que realmente importa é o que você é por dentro. O que importa é a verdade do seu espírito.
Uma mensagem importante para jovens de uma sociedade que é bombardeada pela cultura da aparência: roupas legais, corpo de uma determinada maneira, muito dinheiro, estilo pegador e no espírito... o que é espírito mesmo?
.No final, morte e ressurreição - morrer como homem e nascer como supra-homem – acima do homem, além do homem.
“Os mitos não devem ser julgados como falsos ou verdadeiros, mas como eficazes e ineficazes, salutares ou patogênicos.” (Joseph Campbell)
O inconsciente é menos alimentado nos dias atuais. Gostem ou não, é ele quem norteia muitas das nossas decisões. Damos desculpas racionais para atitudes que encontram sua real motivação nos instintos, nos estados psicológicos mal trabalhados ou ignorados.
Infeliz daquele que acredita que a verdade do ser está aprisionada entre as paredes frias do raciocínio lógico - científico vigente e / ou das teorias sócio - políticas - ideológicas. Pois a verdade é um elefante branco tocado por 3 homens cegos...
... o primeiro toca a fina cauda e diz que é uma corda..
... o segundo toca a grossa perna e diz que é um tronco...
… o terceiro toca a tromba e diz que é uma cobra.
Por Cintia B. Silva
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